Apesar do cenário de riscos e de cautela, em razão dos efeitos da pandemia na economia e finanças da população, das empresas e do país de uma forma geral, o Banco Central (BC) aponta que o Sistema Financeiro Nacional (SFN) está preparado para enfrentar esse momento de incertezas. Essa avaliação foi divulgada nesse início de semana, por meio do Relatório de Estabilidade Financeira, referente ao segundo semestre de 2020.

"Ao longo de 2020, o SFN alcançou o maior valor histórico de provisões para ativos problemáticos, melhorou a capitalização e manteve liquidez confortável", informou o BC. "O risco de crédito arrefeceu, mas o cenário requer cautela diante da incerteza quanto ao prolongamento e aos desdobramentos da pandemia sobre a renda e o emprego", diz o documento.

De acordo com o órgão, ao longo do segundo semestre de 2020, os programas emergenciais geraram "relevante crescimento" do crédito para as micro, pequenas e médias empresas, enquanto o estoque de crédito a grandes empresas ficou estável. Dos 11,9% de crescimento do crédito bancário a empresas no semestre, cerca de 80% deveram-se aos programas governamentais.

Situação das empresas

O relatório aponta ainda que a situação econômico-financeira das empresas melhorou de forma desigual. Para o conjunto de todas as empresas, o fluxo de recebimentos melhorou, mas as restrições sanitárias ainda impactam negativamente setores como lazer e transportes, percepção que pode mudar dada a incerteza sobre a pandemia.

Segundo o diretor de Fiscalização do BC, Paulo Souza, diferentemente do que aconteceu no ano passado, hoje, o sistema financeiro tem ferramentas disponíveis para serem utilizadas em caso do agravamento da segunda onda de casos de covid-19. Além disso, o cenário econômico mundial e doméstico mudou.

"Os níveis de crescimento quando se pega China e Estados Unidos, por exemplo, são surpreendentes. Os números aqui mostram que, apesar de toda a dificuldade advinda da segunda onda, têm várias empresas que se adaptaram a essa realidade, inclusive ampliando seu fluxo financeiro. Estamos preocupados, mas a nossa visão, por hora, é que o sistema financeiro tem plenas condições de atender a demanda por parte das empresas", disse Souza.

Pessoa física

E no caso do crédito às pessoas físicas, a informação é de que ele voltou a crescer no ritmo anterior ao da pandemia. A redução nas taxas e os novos índices de correção ofertados aos clientes impulsionaram as concessões do crédito imobiliário, especialmente com recursos de poupança. Até o momento, segundo o BC, o risco oriundo das famílias está mitigado pelas provisões adequadas de recursos na carteira de crédito.

Teste de estresse

Para a divulgação do relatório, o BC também realizou um teste de estresse. Nesse teste, simula-se o quanto uma situação de severa inadimplência e de corrida aos bancos impacta o cumprimento dos limites regulatórios mínimos pelas instituições financeiras e quanto a autoridade monetária precisaria aportar ao sistema financeiro.

Entre esses limites estão a manutenção de uma reserva em caixa para garantir que os bancos paguem todos os clientes que forem sacar dinheiro em momentos de crise. São testados também os riscos de crédito, juros, câmbio e desvalorização de imóveis.

O BC considerou dois cenários: 1) o risco de queda na atividade econômica, inflação e taxas de juros, em caso de uma terceira onda significativa; e 2) o de uma crise de confiança pelo agravamento da situação fiscal.

E o resultado foi que "os bancos estão preparados para absorver cada um dos choques dos dois cenários", destacou o diretor do BC. Aliás, segundo o relatório os resultados demonstraram umaa redução dos efeitos da pandemia no sistema financeiro e esse último teste apresentou o melhor resultado desde a primeira vez em que foi publicado, em abril de 2020.

"A recuperação da atividade econômica no segundo semestre de 2020, assim como a melhora no capital, arrefeceram os efeitos da pandemia no sistema financeiro. Os resultados continuam corroborando a capacidade de o sistema absorver choques, sem desenquadramentos relevantes", explicou o BC.

Para se ter uma ideia, no início da crise no ano passado, o BC estimou em R$ 400 bilhões a necessidade de provisões adicionais por parte do sistema e um aporte de R$ 70 bilhões na simulação que considerou um choque severo da pandemia.

Hoje, considerando as novas métricas incorporadas, já há uma redução bastante significativa na necessidade de provisão - de R$ 128 bilhões. O impacto para um enquadramento de todo o sistema financeiro seria algo na faixa de R$ 1,5 bilhão, ainda segundo Souza.

O órgão informou ainda que a rentabilidade dos bancos diminuiu com a crise sanitária, em cerca de 26%, mas não representa risco para a estabilidade financeira. "A pandemia inverteu a sequência de recuperação da rentabilidade que ocorria desde a recessão de 2015-2016. A expectativa para 2021 é de melhora. Mantida a perspectiva de recuperação, as despesas com provisões tendem a ser menores, e as receitas de serviço, a se recuperar", avaliou o órgão.

Risco climático

O Banco Central também apresentou um estudo sobre os riscos climáticos. Os pesquisadores do BC e acadêmicos analisaram os principais eventos climáticos, como enchentes e secas, entre 1994 e 2017.

A partir disso, eles indicaram que as flutuações de curto prazo no clima teriam baixo impacto sobre os bancos. Mas mudanças climáticas duradouras, poderiam gerar impactos relevantes para o setor bancário, reduzindo a oferta de crédito e aumentando a inadimplência.

Segundo o BC, os bancos acabaram reduzindo a exposição de crédito nas áreas mais vulneráveis a esse tipo de evento climático. O crédito bancário aos setores verdes é menor do que o crédito aos setores de alto impacto, mas essa participação relativa está aumentando desde 2011.

"O resultado do estudo mostra que os bancos e a própria economia como um todo já se antecipam a esses problemas e percebem que rapidamente se ajustam para enfrentar esse tipo de eventos", disse Paulo Souza.

Ainda segundo ele, os incidentes envolvendo risco climático nos últimos anos se acentuaram em diversas localidades, uma questão que é tratada no Brasil há muito tempo em relação ao risco socioambiental.

O diretor explica que, nos próximos dois anos, o Brasil terá um detalhamento muito mais preciso desses riscos, em função do novo documento de coleta de dados que deve ser lançado nesse semestre. Nesse semana o BC também colocou em consulta pública uma proposta normativa que estabelece regras para a divulgação de informações sobre riscos sociais, ambientais e climáticos pelas instituições financeiras.

O documento completo com todo o relatório está disponível na página do BC. Clique aqui para conferir.

Com informações Agência Brasil.