Se até recentemente aos autoridades monetárias ainda vinham demonstrando certo otimismo em relação a situação econômica do Brasil, agora o cenário já é outro e isso ficou batante claro na manhã dessa terça-feira, 16 de novembro, em um discurso do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto.

Em uma análise, Campos Neto disse que houve uma piora "quantitativa e qualitativa" da inflação e que esse cenário dá às autoridades monetárias brasileiras um trabalho difícil e desafiador, com alta nos preços de alimentos, combustíveis e da energia.

Na avaliação de Campos Neto, além do problema de inflação interna, o Brasil está "importando inflação de outros países, o que torna o ambiente ainda mais desafiador". Ele ressaltou que para contornar essa situação, será necessário, ao Brasil, buscar o equilíbrio fiscal, além de "passar a mensagem de que o país tem condições de ter um crescimento sustentável mais alto". As declarações foram dadas no IX Fórum Jurídico de Lisboa, em Portugal.

Injeção fiscal contribuiu

O presidente do BC disse que, em parte, a inflação que vem sendo registrada em diversos países está relacionada à "maior injeção fiscal da história mundial", medida adotada com o objetivo de amenizar os efeitos da pandemia na economia.

Campos Neto disse que, com a pandemia, o cenário mundial ficou diferente do que se imaginava, "com uma rápida e volátil mudança de cenários, em termos de crescimento e de perspectiva de inflação". Governos ficaram "em pânico", sem saber, até então, a real dimensão do problema.

Diante da situação, segundo Campos Neto, foi feita "a maior injeção fiscal da história mundial, de US$ 9 trilhões, segundo informou na semana passada o FMI [Fundo Monetário Internacional], sendo que US$ 4,5 trilhões foram em transferências diretas. Pensando que o PIB mundial está entre US$ 84 [trilhões] e 85 trilhões, estamos falando de 10% de injeção fiscal em um espaço de tempo relativamente pequeno. Algo que nunca tínhamos visto".

Na visão do presidente do BC, como consequência essas transferências resultaram em aumento no consumo de bens em várias localidades. "Vemos uma correlação disso com o aumento de preços nos países que tiveram mais ajuda. Em um primeiro momento, com a alimentação em domicílio subindo muito".

"Aí, os bancos centrais criaram uma tese de que isso era um aumento temporário, porque, quando a economia reabrisse, as pessoas voltariam a trabalhar e, assim, voltariam a consumir serviços, deixando de consumir bens, o que resultaria queda nos preços de bens. Segundo essa tese, a reabertura mundial, após a pandemia, reequilibraria essas forças e faria com que a inflação caísse rapidamente", disse.

Essa expectativa, segundo Campos, acabou não se concretizando, uma vez que ela partia da premissa de que haveria uma "ruptura de oferta" maior do que a que foi registrada, e que "as pessoas que estavam em casa não estariam produzindo", o que acarretaria em queda na oferta de bens.

"Essa tese foi bastante divulgada. Hoje vemos que, em parte ou quase na totalidade, essa tese não é verdade", disse o presidente da autoridade monetária brasileira. "Também existia uma tese de que a logística tinha sofrido uma ruptura porque as pessoas estavam em casa. Na verdade, quando olhamos em retrospectiva, vemos que isso também não é verdade".

Deslocamento de demanda

Segundo Campos Neto, o que aconteceu foi "um grande deslocamento de demanda" porque os governos colocaram muito dinheiro na mão das pessoas em um período muito rápido. "Demorou para os bancos centrais entenderem o efeito combinado desse conjunto de ajudas, de US$ 9 trilhões", acrescentou ao comentar que a previsão atual é de que esse deslocamento persista.

‘Correlacionado a esse fator, vem um outro tema, ligado a esse deslocamento de demanda. A gente imaginava que o consumo de energia elétrica em casa ia crescer mais do que fora de casa, e isso não aconteceu. O que aconteceu foi o contrário, porque produzir bens gasta muito mais energia do que produzir serviços. Temos aí, também, um deslocamento grande da demanda de energia que não foi acompanhado de aumento na oferta de energia", complementou.

Impacto nos preços

Na avaliação do presidente do BC, a comunidade econômica demorou para entender o impacto que os programas fiscais teriam nos preços. "Imaginou-se que isso se equilibraria quando a economia reabrisse e que haveria mais investimentos nos itens onde haveria escassez. Nenhuma das duas coisas aconteceu da forma esperada", resumiu.

Ainda segundo Campos, o impacto nos preços da energia elétrica e dos combustíveis foi maior do que o esperado em 2021. "Foi na verdade o maior [impacto] dos últimos 20 anos, adicionado ao choque de alimentos registrado no ano anterior", disse.

Diante desse cenário, Campos Neto disse que o BC então iniciou processo de aumento de juros. "O número de inflação acelerou e teve piora tanto quantitativa como qualitativa em todos os aspectos. É muito importante sermos realistas para entendermos o quão disseminada está a inflação e o quão difícil será o trabalho do BC nesse ponto. Temos percebido, mais recentemente, uma revisão de inflação para cima e de crescimento para baixo em 2022".

Commodities

O presidente do BC apontou alguns dos motivos que não possibilitaram, ao Brasil, se beneficiar da alta dos preços das commodities. "Geralmente, quando commodities sobem, a moeda brasileira aprecia, porque o Brasil é exportador de commodities. Então o preço da moeda local absorveria a alta externa", disse.

"Só que dessa vez isso não aconteceu. Tivemos aumento do preço de commodities com desvalorização da moeda. Isso aconteceu porque os termos de troca, que é essa relação, foram acompanhados de aumento do nível de dívida emitida", explicou ao associar essa dívida às medidas de combate aos efeitos da pandemia na economia do país.